Nas últimas décadas tem ocorrido uma diminuição da fecundidade em todo o mundo por diversos motivos, de tal forma que 1 a cada 6 casais tem dificuldade em obter gravidez. Em cerca de 50% dos casos o fator masculino é a principal causa ou um agravante considerável do problema. Dessa forma é importante realizar uma avaliação andrológica especializada de rotina em casais que estão na luta pela paternidade.
Idealmente a avaliação deve ser iniciada com uma anamnese detalhada e ampla pesquisa de potenciais agravos à fertilidade masculina. O exame físico com inspeção e palpação cuidadosa da genitália masculina em uma sala com climatização adequada é fundamental. Através do toque da mão de especialistas muitos problemas potenciais podem ser identificados. Por fim, exames de sangue, sêmen e ultrassonografia podem ser solicitados de forma complementar para comprovar ou descartar as hipóteses incialmente levantadas pelo andrologista.
Os principais exames complementares solicitados na investigação da infertilidade masculina são mencionados a seguir:
1. Espermograma
O espermograma é um forte aliado na avaliação masculina, pois é capaz de transmitir uma ideia de como anda a produção de espermatozoides no testículo através de parâmetros como concentração, motilidade e morfologia (forma ou aparência). Assim é possível definir normalidade e diferente graus de alterações. No entanto ele é incapaz de definir fertilidade vs. infertilidade, pois algumas vezes pacientes com alterações significativas conseguem engravidar a esposa de forma natural. É ainda uma exame de alta variabilidade, de forma que sua interpretação deve ser cautelosa. Por ser um exame artesanal e minucioso, há diferença considerável de qualidade entre os laboratórios, de maneira que centrosespecializados devem ser preferidos.
2. Fragmentação de DNA
Diante das limitações do espermograma, cada vez mais é necessário uma avaliação mais refinada da qualidade dos espermatozoides para as técnicas de reprodução assistida. A fragmentação do DNA espermático é um exame moderno e muito importante para avaliar o potencial de fertilidade masculino. Elevados índices de fragmentação podem indicar uma anomalia intrínseca da qualidade do espermatozoide.
O espermatozoide carrega o material genético (DNA) necessário para gerar um novo ser após união com o óvulo feminino. Em casais que não conseguem engravidar de forma natural ou com tratamentos de reprodução assistida pode haver uma má qualidade do DNA dos espermatozoides contribuindo para o problema. Já foi demonstrado que alterações na integridade do DNA dentro do espermatozoide estão associados a infertilidade de causa inexplicada, abortos de repetição e falhas dos tratamentos de reprodução assistida.
3. Exames hormonais
A produção de espermatozoides no testículo acontece sob influência de uma complexa relação entre hormônios de estimulação e sua interação com os hormônios masculinos (testosterona) e femininos (estradiol) que todos os homens têm. Alterações graves da produção de testosterona estão entre algumas causas reversíveis de infertilidade masculina, por isso a importância a de se avaliar o perfil hormonal.Outro hormônio importante é a prolactina, que pode gerar infertilidade por interferir diretamente nos hormônios que regulam a produção testicular. Tais exames servem não apenas para diagnosticar graves distúrbios hormonais, mas também para se otimizar pequenas alterações que são comuns com o estilo de vida moderno.
4. Ultrassonografia com Doppler de testículos
O exame de ultrassom dos testículos complementa a avaliação do exame físico. Primeiramente serve como avaliação interna de todo o tecido testicular, sendo capaz de identificar nódulos ou tumores testiculares que não são palpáveis. Sabe-se que pacientes com infertilidade tem um risco maior de tumores de testículo, daí a importância de incluir uma avaliação ultrassonográfica nesses pacientes.
No contexto da varicocele pode ajudar identificar veias dilatadas em pacientes de difícil palpação como pacientes obesos e/ou submetidos a cirurgias escrotais prévias. Fornece ainda informação sobre o diâmetro das veias e presença ou não de refluxo de sangue, o que pode ajudar o microcirurgião na tomada de decisão quanto ao benefício na cirurgia de correção da varicocele.
5. Exames genéticos
Muitos dos casos de infertilidade masculina tem problemas genéticos que podem causar alterações graves na produção testicular de espermatozoides. Dessa forma todos os pacientes com oligospermia grave e azoospermia devem fazer exames genéticos para como parte da investigação Inicial. Tais exames tem o potencial deapontar para as possíveis causas do problema, bem como servir para definir as chances de sucesso do tratamento e necessidade de aconselhamento genético antes de iniciar o tratamento de reprodução assistida. Segundo as recomendações mais recente, exames de cariótipo e microdeleção do cromossomo Y devem ser oferecidos a pacientes com grave alterações na produção de espermatozoides. Aqueles pacientes que não tem os ductos deferentes palpáveis no exame físico também devem ser investigados para alterações dos genes da fibrose cística, que é uma doença potencialmente grave e tem associação com a agenesia dos deferentes. Dessa maneira é possível minimizar as chances de transmissão para os descendentes.
6. Congelamento de sêmen
Apesar de não ser um exame propriamente dito, o congelamento do sêmen pode ser extremamente valioso. Paciente com concentrações baixas ou com piora progressiva da qualidade seminal devem ser estimulados a congelar o sêmen. Tal conduta é extremamente importante pois não é incomum que tais indivíduos tornem-se azoospérmicos ou com qualidade seminal insuficiente para tratamentos de reprodução assistida. Já se sabe que o sêmen congelado não tem prazo de validade, pois há relatos de descongelamento de espermatzodoies realizados após décadas sem qualquer prejuízo ao tratamento ou à qualidade dos embriões. Tal medida visa a garantir o futuro reprodutivo masculino e eventualmente impedir que cirurgia de captação de espermatozoides seja necessária.
A azoospermia consiste na ausência completa de espermatozoides no ejaculado mesmo após centrifugação. É uma condição com um grande impacto para um casal que pretende ter filhos. Excluindo-se a azoospermia causada pelo abuso de medicações derivadas da testosterona ou problemas hormonais, a grande maioria dos pacientes nessa condição irão necessitar de tratamento cirúrgico.
Avaliação clínica completa para identificação de causas potencialmente reversíveis é fundamental. Pesquisa genética com cariótipo e microdeleções do cromossomo Y é necessária pois até 15% dos pacientes possuem alterações. Pesquisa de mutações do gene da fibrose cística deve ser solicitada para pacientes com ausência de deferentes palpáveis. Apesar da avaliação genética não mudar a conduta na maioria dos casos, ele tem importante papel no diagnóstico, prognóstico e na avaliação do potencial de transmissão para crianças nascidas com tratamentos de reprodução assistida.
Didaticamente é interessante dividir os pacientes em 2 grandes grupos: azoospermia obstrutiva e não-obstrutiva. Essa diferenciação nem sempre é possível antes da cirurgia, mas tem uma grande importância pois os casos de obstrução são favoráveis, sendo possível obtenção de espermatozoides para tratamentos de reprodução assistida em virtualmente 100% do casos. Em algumas situações ainda é possível uma cirurgia de reconstrução do trato genital masculino em que o paciente voltará a ejacular espermatozoides.
Nos casos de azoospermia não-obstrutiva há um problema grave na produção de gametas e muitas vezes há apenas focos isolados de espermatozoides no testículo. A extração de tecido testicular por microdissecção (microTESE) é a técnica de escolha, pois todo o conteúdo do testículo e exposto e a uma ampla procura pode ser realizada. Para otimizar as chances de captar espermatozoides com esse procedimento é interessante avaliar a necessidade de um tratamento hormonal no pré-operatório, pois não é incomum haver desbalanços que podem comprometer o sucesso da microTESE.
Varicocele é a dilatação anormal das veias que drenam o sangue do testículo no escroto. É uma condição frequente, encontrada em aproximadamente 15% da população geral e em 40-50% dos homens com infertilidade em busca de tratamento. Por questões anatômicas é bem mais comum no lado esquerdo. Essa dilatação machuca os testículos através de um acúmulo interno de sangue, o que altera a temperatura desses órgãos que repousam no escroto para ficarem cerca de 1-2°C abaixo da temperatura corporal. Com a varicocele há um aquecimento interno dos mesmos, além de haver acumulo de toxinas e radicais livres. Embora a maioria dos homens com varicocele sejam férteis, com o passar do tempo pode haver uma diminuição do volume testicular, perda de qualidade do sêmen e diminuição na produção de testosterona. Já foi demonstrado também que a varicocele causa danos testiculares progressivos ao longo do tempo e que a cirurgia não apenas impede o avanço mas também reverte parte do prejuízo causado.
A cirurgia de correção da varicocele está indicada quando há alterações significativas do espermograma, atrofia do testículo, dor característica ou ainda alterações nos exames hormonais. Quanto mais tempo os testículos ficarem expostos aos efeitos nocivos da varicocele mais se acumulam os danos ao sensível tecido testicular. Cerca de 70-80% dos pacientes apresentam melhora significativa nos parâmetros seminais (concentração, motilidade e morfologia), além de haver um nítido aumento de chance de gravidez espontânea e de sucesso em técnicas de reprodução assistida, como a fertilização in vitro (FIV).
Existem diferentes técnicas cirúrgicas para corrigir a varicocele. No entanto, o tratamento com melhores resultados e menos complicações é a cirurgia com o uso do microscópio cirúrgico, conhecida como varicocelectomia microcirúrgica. De forma geral, o cirurgião faz uma incisão de aproximadamente 2.5cm na virilha e isola o cordão espermático, que é estrutura por onde passam como veias, artérias, nervos e vasos linfáticos do testículo. Através de uma magnificação com microscópio cirúrgico é possível realizar a identificação meticulosa das veias e garantir sua exclusão uma a uma do sistema de drenagem de sangue, ao mesmo tempo em que se preserva as artérias, nervos e vasos linfáticos.
Como lesões às artérias são as complicações mais temidas dessas cirurgia, cirurgiões especializados utilizam um sistema com sonda de Doppler microvascular para auxiliar na identificação das artérias, uma vez que o dano inadvertido a tais vasos podem prejudicar de forma irreversível o fluxo sanguíneo para o testículo. Para realizar uma varicocelectomia microcirúrgica sem complicações, falhas ou recidivas é necessário treinamento microcirúrgico extensivo e o uso de um microscópio operacional de alta qualidade.
Um ambiente hormonal apropriado deve existir para os órgãos reprodutores produzirem, amadurecerem e transportarem o espermatozoide do testículo para o mundo externo. Esse sistema de regulação é iniciado pela liberação de hormôniosde estimulação do hipotálamo e da hipófise que favorecem a produção de espermatozoides e testosterona no testículo. Alterações nesse equilíbrio estão entre as causas reversíveis de infertilidade masculina.
Problemas em qualquer parte desse eixo de produção podem prejudicar o funcionamento testicular normal. Com o estilo de vida moderno é cada vez mais comum encontrar homens com alterações do equilíbrio hormonal, geralmente com baixos níveis de testosterona, altos níveis de hormônio femininos e ausência de resposta adequada dos hormônios centrais de controle.
Durante a avaliação andrológica um perfil hormonal é geralmente solicitado para identificação de problemas e otimização da produção. O tratamento envolve uso de comprimidos ou injeções que irão estimular o eixo hipotálamo-hipofisário para aumentar a produção e regulação interna de hormônios. Paradoxalmente a testosterona exógena não pode ser prescrita pois inibe o eixo e agrava ainda mais a situação.
Atualmente até 20% homens que foram submetidos a vasectomia se arrependem, e cerca de 6% optam por fazer a reversão de vasectomia, geralmente motivados por novos relacionamentos. Apesar de a vasectomia ser um procedimento relativamente simples, a reversão de vasectomia é um procedimento extremamente delicado, que necessita de técnicas microcirúrgicas especializadas. O objetivo da cirurgia é reunir as duas extremidades dos ductos deferentes, fazendo uma nova comunicação entre elas, de modo que os espermatozoides possam novamente ser fazer parte do ejaculado.
Reversão de vasectomia é um termo genérico que pode ser feita através de dois procedimentos: a vaso-vasostomia e/ou a vaso-epididimostomia. A vaso-vasostomia microcirúrgica consiste na a reconexão das duas extremidades cortadas do ducto deferente. Já a vaso-epididimostomia microcirúrgica é a conexão de um canal deferente com o epidídimo, que é uma estrutura localizada junto ao testículo onde os espermatozoides ganham maturidade. Este último é um procedimento bem mais complexo, sendo realizado quando há um entupimento não apenas onde a vasectomia foi realizada, porém também mais perto da saída do testículo.
A chave para o sucesso é a precisão da anastomose (costura) com o cuidado de restaurar cada uma das camadas que existiam anteriormente utilizando fios especiais extremamente delicados. Para isso, também é necessário um microscópio cirúrgico adaptado capaz de magnificar as imagens em até 25 vezes.
Embora as taxas de sucesso para a reversão microcirúrgica da vasectomia se correlacionem com o tempo desde o procedimento, é possível reconstruir o canal em casos com até mais de 20 anos de procedimento. Se espermatozoides forem encontrados acima do ponto de interrupção no momento da reversão, há boas chances de sucesso, independentemente do tempo desde a vasectomia. No entanto para isso é necessário que a equipe médica seja treinada na realização da vaso-epididimostomia.
Quando feita até 5 anos após a vasectomia, a reversão microcirúrgica tem uma chance de sucesso de mais de 90%, no entanto o fator feminino deve ser avaliado antes de se optar por esse procedimento. É ainda possível realizar uma nova tentativa de cirurgia de reconexão em homens que foram a submetidos a reversão de vasectomia sem sucesso no passado. No entanto, por causa da cicatrização da cirurgia anterior, as segundas operações podem ser bem mais complexas e exigir mais tempo para sua realização.
A vasectomia consiste em uma cirurgia para esterilização voluntária do homem e é a cirurgia urológica mais realizada no mundo. É eleita como método contraceptivo por cerca de 10% dos casais. Ela consiste na interrupção dos ductos deferentes, que são os canais que conduzem os espermatozoides dos testículos até o pênis. É considerada um procedimento simples e de rápida recuperação com baixo índice de complicações, apresentando falhas em torno de apenas 1 para cada 600-1000 casos. Sua eficácia é semelhante à ligadura das trompas nas mulheres com a vantagem de haver cirurgia para reversão com altos índices de sucesso
Existem técnicas mais modernas que dispensam a necessidade do uso do bisturi para a realização de cortes na pele. Com pinças extremamente delicadas pode-se acessar o dos ductos deferentes através do escroto e trazê-los para superfície onde seu trajeto será interrompido. Para garantir o sucesso e evitar uma recanalização espontânea, quatro técnicas são empregadas: retirada de cerca de 1 cm de deferente, cauterização da saída, interrupção das extremidades com fios e interposição de tecidos de sustentação entre os cotos. Após o procedimento um mínimo período de repouso é necessário, a depender do ramo de atividade do paciente. O sucesso do procedimento só é garantido após 3 meses ou pelo menos 20 ejaculações em que um espermograma de controle seja capaz de demonstrar ausência de espermatozoides móveis.
Com o aprimoramento dos tratamentos oferecidos a paciente com câncer houve um aumento considerável da expectativa de vida nessa população. Estima-se uma sobrevida em torno de 80% das neoplasias infanto-juvenis e cerca de 1 a cada 250 indivíduos da população geral seja sobrevivente do câncer. A fertilidade é um dos pilares fundamentais da qualidade de vida nos homens e cada vez mais há um interesse por parte dos pacientes em preservar essa função.
Ao receber o diagnóstico do câncer, é comum para pacientes, familiares e equipe médica iniciar uma corrida contra o tempo para iniciar o tratamento. Cabe aos profissionais de saúde pensar um pouco à frente e levantar discussões sobre as opções de preservação de fertilidade para todos os pacientes, sobretudo os homens em idade reprodutiva. Infelizmente apenas a minoria dos pacientes recebe essa informação em tempo hábil, e muito terão que conviver com a infertilidade de forma permanente.
O ideal é que todos sejam encaminhados para coleta de sêmen por masturbação para que seja possível a criopreservação de espermatozoides antes do início da terapia. Crianças que ainda não atingiram a puberdade, que não iniciaram práticas de masturbação ou mesmo adultos com incapacidade de ejacular podem ser submetidos a procedimentos de captação de espermatozoides como a eletroejaculação e extração de tecido testicular. Há também pacientes com comprometimento prévio da capacidade reprodutiva que precisam ser avaliados e orientados. De uma maneira geral esses procedimentos são minimamente invasivos e não irão prejudicar o tratamento oncológico de nenhuma maneira.
A maioria dos homens com lesão medular traumáticanão consegue engravidar de forma natural, o que pode ter um impacto negativo na vida de muitas casais, já que esse problema afeta mais frequentemente homens em idade reprodutiva. A integridade da medula como um todo é fundamental para a saúde reprodutiva, sendo importante para a obtenção e manutenção da ereção e capacidade de ejacular. Assim, a infertilidade nesse grupo de pacientes pode estar relacionada a diversos fatores, entre eles: disfunção erétil, incapacidade de ejacular e anormalidades do sêmen. É comum que esses pacientes apresentem um perfil seminal caracterizado por concentração normal de espermatozoides, porém com motilidade e vitalidade anormalmente baixas. Este perfil é raro na população geral com fator masculino de infertilidade conjugal e pesquisas estão sendo realizadas para tentar descobrir a real origem dessa anormalidade. Possíveis fatores ambientais tem sido identificados, como o aumento da temperatura escrotal pelo uso constante de uma cadeira de rodas, ejaculação infrequente e problemas associados com o controle da urina.
Como a maioria dos homens cadeirantes não são capazes de ejacular durante a relação sexual, assistência médica geralmente é necessária em suas tentativas de constituir família. Os métodos mais comuns de recuperação de sêmen em homens cadeirantes são: vibroestimulacão peniana, eletroejaculação e captação cirúrgica de espermatozoides. Apesar das dificuldades encontradas na obtenção de espermatozoides nessa população, pode-se afirmar que a eficácia das diversas opções de tratamento é semelhante à obtida na população sem lesão medular.