Reabilitação sexual e reprodutiva de pacientes com câncer

O câncer é uma grave enfermidade com repercussões consideráveis na qualidade de vida de homem. Não apenas a luta pela cura é um processo árduo, como também um completo reestabelecimento das funções masculinas é desafiador, pois a doença deixa marcas tanto físicas como psicológicas.

Nesse contexto a saúde sexual e reprodutiva ganha relevância em pacientes que foram ou serão submetidos a tratamentos oncológicos. Sabe-se que a saúde íntima masculina é um dos pilares fundamentais da qualidade de vida nesses indivíduos e geralmente sofre agravos durante o combate à doença. Infelizmente as principais modalidades de tratamento oncológico disponíveis, que incluem quimioterapia, radioterapia, hormonioterapia e cirurgias radicais, estão comumente associadas a repercussões negativas na vida sexual da população masculina, muitas vezes mesmo após o seu término. Discutirei em mais detalhes alguns dos pontos mais relevantes no que concerne a saúde masculina no contexto do tratamento do câncer.

 

  1. Preservação de fertilidade

Do ponto de vista da fertilidade, muitos indivíduos se preocupam com a possibilidade  de não poderem ser pais no futuro, lembrando que o câncer afeta homens de todas as idades, muitos em idade reprodutiva ou de mais idade porém com interesse em manter sua fertilidade. As células responsáveis pela produção dos espermatozoides no testículo são sensíveis aos tratamentos do câncer. O tratamento oncológico visa a diminuir a multiplicação de células cancerígenas que tem um alto poder de proliferação. Da forma similar, os espermatozoides que também estão se multiplicando constantemente acabam perdendo essa capacidade durante o tratamento. Dependendo da duração e do tipo de tratamento utilizado, esse problema pode ser permanente.

Portanto, pacientes preocupados com a fertilidade devem ser proativos e buscar uma assistência a esse respeito o quanto antes. É possível fazer uma avaliação do potencial de fertilidade de cada sujeito em diferentes momentos do acompanhamento.  Idealmente todos os pacientes deveriam ser aconselhados a congelar espermatozoides antes do início da tratamento, pois essa é a melhor garantia de que a paternidade será possível, já que as células ainda não sofreram nenhuma consequência deletéria. Para os que já iniciaram o tratamento é possível adotar estratégias para minimizar seus efeitos tóxicos, bem como realizar um acompanhamento após seu término para tentar otimizar as chances de normalização da produção de espermatozoides ou mesmo indicar o melhor tratamento de reprodução assistida.

 

  1. Disfunção erétil

No que concerne a sexualidade, uma multiplicidade de fatores contribuem para uma piora expressiva da função erétil. O simples fato de receber o diagnóstico de câncer abala profundamente o emocional do individuo e gera um fator psicológico capaz de comprometer a qualidade das ereções. A elevação dos níveis de estresse gera um aumento da adrenalina circulante, a qual é considerada a substância anti-ereção mais potente do mundo. Assim, o sujeito pode apresentar dificuldades crescentes para ter ou manter uma ereção.

Além disso cirurgias radicais na região pélvica, sobretudo na próstata, podem lesar os nervos responsáveis pela dilatação do tecido erétil durante a excitação. Isso pode prejudicar a capacidade do pênis se encher de sangue e aumentar a sua pressão interna, comprometendo a rigidez da ereção. Adicionalmente   tratamentos hormonais, como a castração, que podem ser feitos isoladamente ou em associação comcirurgias pélvicas são capazes de gerar uma atrofia irreversível do pênis.

Em todos os casos é fundamental que haja um acompanhamento precoce para recuperar ou manter as ereções e ajudar o individuo a não abalar totalmente sua confiança. A manutenção de ereções regulares ajudar a manter a oxigenação do órgão sexual masculino e prevenir deterioração mais grave da sua função.

 

  1. Distúrbios da orgasmo e da ejaculação

Durante o clímax da atividade sexual ocorre o orgasmo, que é uma sensação de intenso prazer gerada pelo cérebro. Em consequência do orgasmo ocorre o desencadeamento de um reflexo que consiste em uma contração muscular rítmicada musculatura pélvica que é capaz de expelir o sêmen produzido nos testículos, na próstata e nas vesículas seminais.

Cirurgias que mexem nos nervos responsáveis pelo controle da sincronização desses eventos pode fazer com que o paciente não consiga mais ejacular. Outros indivíduos podem necessitar retirar parcial ou totalmente alguns órgãos pélvicos, o que pode impossibilitar a produção ou a expulsão do sêmen. Ou ainda, a quimioterapia pode gerar alterações no funcionamento normal do cérebro de uma forma que o orgasmo não seja possível. Desta forma é fundamental uma avaliação caso a caso de como o problema foi gerado para que seja avaliado a possibilidade de reversão do quadro, já que o orgasmo e a ejaculação são fatores que contribuem para a satisfação com a vida sexual.

 

  1. Deficiência de testosterona

Tratamentos sistêmicos como a quimioterapia geram toxicidade no testículo e podem prejudicar a produção hormonal por esse órgão. Como a testosterona é um hormônio central no metabolismo e na função sexual masculina, sua deficiência pode trazer consequências negativas. Pode haver diminuição do desejo, da qualidade das ereções, da fertilidade e da quantidade de sêmen, além de uma diminuição na intensidade do orgasmo. Felizmente pacientes podem receber tratamentos a base de testosterona. Porém isso requer um acompanhamento especializado, já que esse tratamento não é isento de efeitos colaterais.

 

Portanto, para evitar um prejuízo ainda maior da função masculina no longo prazo, é fundamental que os pacientes sejam acompanhados desde momentos iniciais, seguindo protocolos que vão depender do tipo de tratamento que será realizado. Em outras palavras, a luta contra o câncer não está finalizada até que o paciente esteja plenamente reestabelecido em todas as suas funções. A sobrevivência após uma doença grave sem dúvida deve ser o principal objetivo do tratamento, mas somente através da reabilitação é possível proporcionar uma vida plena e cheia de alegria aos sobreviventes do câncer. Quem cuida de pacientes oncológicos sabe que é importante não apenas aumentar os dias de vida de um individuo, mas também melhorar a vida nos dias que restam.

Eduardo de Paula Miranda - Doctoralia.com.br